Monday, September 15, 2014

O Menino

Um dia tentando encontrar O Caminho Certo, O Menino se perdeu. Não estava encantado com O Caminho Novo - só estava com medo de errar o caminho.
E errou!!

Por acaso decidiu não parar - tinha medo, mas também esperança de encontrar algo familiar que o levasse de volta ao Caminho Certo. Mas não, Ele não viu nada que pudesse lhe servir de pista. É verdade, Ele não se lembrou de jogar migalhas no chão, mas antes de se lamentar por não tê-lo feito, se deu conta que se tivesse jogado, as migalhas já teriam sido devoradas pelos Famintos que ultrapassou pelo caminho!

Em sua história, nem havia passarinhos!

E a noite caiu! E O Menino estava sozinho. E naquela noite Ele se escondeu. Mas longe do mundo, o qual conhecia, não conseguiu esconder de si mesmo As Feridas do caminho.
E então O Menino chorou! Chorou muito, muito, mas bem baixinho pra não romper a escuridão da noite que agora era a única proteção que tinha - e chorar baixinho quando se tem muito a chorar, faz doer muito, muito mais! No cantinho em que se encolhia, havia um pedaço de espelho quebrado que O Menino segurou pra lhe fazer companhia.

E veio o cansaço, e O Menino dormiu!

Na manhã seguinte, a luz do sol levou embora o medo da escuridão - Ele não temia o escuro pelo que não podia ver, mas sim pelo mal que as outras pessoas fingem não ver na ausência da luz! Os Famintos do caminho, eram famintos por que estavam parados e O Menino não queria ser um faminto então, se pôs a andar. Na luz do dia, encontrou o olhar das pessoas, e aprendeu que o que as pessoas são - assim como o que elas têm - é mais perceptível à luz do dia, uma vez que de noite são todos Omissos, por mais que varie a intensidade e crueldade de cada omissão. Ele aprendeu a olhar os olhos das pessoas, e neles encontrou ajuda, desprezo, riso, humilhação, violência, amor, dúvida...

...e O Menino perdeu o medo da noite!

Sóis e luas adiante, O Caminho já era então o desespero da caminhada. Assim como o Choro da primeira escuridão, um desespero silencioso - que destrói muito mais, mas incomoda muito menos! Além dos Famintos e dos Omissos, O Menino conseguia agora enxergar também Os Suicidas e Os Gigolôs. Os Suicidas como os Famintos haviam decidido parar, cada um por seus próprios motivos: pelo Desprezo, ou pelo Riso, Humilhação, Violência, Amor, Dúvida... No entanto não desejavam nem mais as migalhas! O Menino, não queria parar... ...por isso não queria ser um suicida. O Gigolô nunca parava, no entanto, só andava em círculos se alimentando da miséria de suicidas e famintos,. Alimentam essa miséria para o entretenimento dos omissos.

O Menino não queria essa miséria, por isso não queria ser um gigolô. Por isso não queria andar em círculos. Por isso escolheu O Tempo como único protetor e aceitou pagar o preço do esquecimento.

...e O Tempo passou!
...e O Menino se esqueceu!!

Seus olhos já não viam os novos caminhos como desconhecidos. E então O Menino não estava mais perdido. Estava sozinho, mas não mais perdido. E pela primeira vez sorriu pra Solidão que o acompanhava com lealdade desde muito antes de se perder. E nem se deu conta quando a Esperança de encontrar o Caminho Certo se despediu e foi embora.

Ele não mais escondia as feridas do caminho - elas se tornaram uma armadura, enquanto o Desprezo, o Riso,  Humilhação, a Violência, o Amor e a Dúvida (sobretudo a Dúvida!) se tornaram um leve sorriso, e a vontade de buscar o passo seguinte - apenas o passo seguinte, e o seguinte nascer do Sol.

...e O Menino perdeu o medo do dia!!
...e andar já era então O Caminho!

Foi quando então, no caminho de uma tarde de um céu cinzento qualquer, os olhos do Menino encontraram lembranças, curvas, esquinas... encontraram imagens de um tempo em que não havia uma caminhada, noites escuras ou dúvidas (sobretudo dúvidas!). Imagens de um mundo certo, a casa certa, o Caminho Certo!

Ele não pode conter a explosão de alegria de re-encontrar sentimentos tão bons e tão distantes - há tempos já guardados no bolso das impossibilidades.

Com os olhos marejados levantou com as mãos a bagagem que arrastava já por tanto tempo, e apressou o passo para encontrar a casa e enfim, trilhar O Caminho Certo.

Mas tão intensa quanto a explosão da alegria de reconhecer aquelas imagens, foi intensa a decepção em perceber que ninguém o reconhecia. A medida que entrava no Caminho Certo e sorria pras pessoas, percebeu que a casa era muito, muito menor do que lhe contava seu coração, e nos olhos das pessoas do Caminho Certo, ele não viu nada, nada além de Omissos, Famintos, Suicidas e Gigolôs.

Não havia nada que parecesse mais certo. Nada que fosse mais sóbrio. Nada que valia a pena ter siso sonhado.

Como poderia a dor da bagagem que havia em seus ombros ser a mesma paisagem do desejo mais profundo que guardava em seus sonhos?

Foi quando ele mesmo, no reflexo da janela de uma das casas conhecidas, não foi capaz de se reconhecer.
Ele não era mais um menino.

E da confusão de seus sentimentos, lhe restaram apenas lágrimas das quais o sorriso amargo não conseguiu se livrar, e dali se apressou a sair e andando sem destino passaram-se horas e horas e horas...

Ao cair da noite, tamanha era sua dor, que ele fugiu do caminho e se escondeu em um cantinho silencioso. E nesse cantinho onde se encolhia, encontrou um pedaço de espelho quebrado.

E nesse espelho ele viu, que depois de tantos caminhos violentos, feridas e armaduras, histórias e sentimentos, ele não era mais do que apenas um menino.


Nunca mais O Menino foi visto.

Nunca mais se ouviu histórias ao seu respeito.




O Menino mais uma vez, não deixou migalhas!





(inspirada pela canção "O Menino" - Pélico)
OUÇA AQUI





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